quarta-feira, 15 de junho de 2011

O telefonema

Era uma fria tarde de outono. Karina acendeu um cigarro e ficou olhando a rua movimentada da varanda de seu apartamento. Assim que apagou a butuca, ouviu o telefone tocar. Foi atendê-lo.

-Alô.
-Karina?
-Ela mesma.
-Oi, é a Katherine.
-Oi Kath, tudo bem?
-Tudo e com você?
-Tudo bem também.
-E aí, o que você me conta de novo?
-Eu? Nada, Kath e você?
-Nada demais. Está chovendo muito por aqui, Está em greve de ônibus, por isso não fui á faculdade hoje e o namorado australiano de Marília está aqui em Curitiba.
-Fiquei sabendo dessa história. Você está de olho em alguém? Algum pretendente de Curitiba ou daqui de São Paulo?
-Eu não. Está fraco o negócio.

Katherine deu risadas.

-Tia Wendy falou que você tinha. Um aqui e outro aí.
-Jamais, Karina.
-O daqui eu imaginei que fosse o Oliveira.
-Nossa, bem que eu queria que o Oliveira fosse meu paquera.
-E não é?
-Não.
-Por que não? Poderia ser.
-Ah! Ainda não poderia. Quem sabe quando eu terminar a faculdade e voltar para São Paulo.
-Mas é por isso que poderia ser só um paquerinha, por enquanto.
-É complicado, não dá certo. Você parou de falar com aquele seu amigo, João?
-Não, por que?
-Nunca mais ouvi notícias dele. Achei que você tivesse parado de falar com ele. E por que você anda tão triste ultimamente? Ouvi falar que não sai mais de casa e tal...
-Eu tenho brigado muito com a mamãe. Ela joga os meus fracassos na minha cara. Eu me sinto péssima.
- Ah, Karina, vocês vivem jogando as coisas uma na cara da outra. Se ela guardasse todas as coisas que você já jogou na cara dela, ela não seria a pessoa que é hoje.
-Ela guarda, Katherine. Um dia, ela ficou bêbada aqui em casa e eu tive que cuidar dela e ela ficou falando das magoas dela, ficou pedindo desculpas por ser uma mãe ruim, ficou pedindo para eu não abandoná-la, porque eu sou a razão da vida dela, eu e você, e ficou chorando.
-Então...
-Ela tem muito medo que eu me mate e ela se culpa por ser uma mãe ruim. No fundo, ela se acha uma mãe ruim e é tudo culpa minha porque eu jogo essas coisas na cara dela para magoá-la quando nós brigamos e ela me magoa.
-Coitada! Sinto tanta dó. Você não sente dó?
-Se eu sinto? MUITA!!! No dia que ela ficou bêbada foi horrível. Foi, basicamente, o pior dia da minha vida. Claro que ela não sabe que foi tão horrível para mim, porque eu nem falo disso com ela e quando ela fala, ela acha graça. Mas foi horrível para mim. E quando ela se abre comigo e conta as fragilidades dela, o meu mundo desaba. Eu sinto vontade de carregá-la no colo, mas eu mal consigo me sustentar. Eu queria ser igual a você. Igualzinha, Kath. Você é tão lutadora quanto ela e não é fraca e não desiste das coisas no meio, como eu faço. Você parece ser tão forte e eu sinto muita inveja de você. De um jeito bom, não de um jeito ruim, mas é inveja mesmo. Eu queria ser igual a você...
-Relaxa, eu sei o que você quer dizer, Karina. Ficou até bonito ouvir isso tudo. Você realmente tem jeito com as palavras. Está aí uma oportunidade que eu acho que você não deveria desperdiçar. Escreva um livro, faça uma faculdade que desenvolva ainda mais o seu potencia. Na época que eu saia com o Luiz, eu não era uma boa filha. Na noite de páscoa de 2006, quando ela contou para a gente a forma como o papai realmente morreu, a minha visão de mundo se transformou e em relação a ela, tudo mudou.
-Eu sei, em mim também.
-Deve ser muito ruim guardar um segredo tão grande assim. Então, eu resolvi fazer de tudo na minha vida para fazê-la feliz. Essa virou minha meta de vida, praticamente. Tudo o que eu faço, eu penso antes se vai fazê-la feliz. Por isso ela sente tanto orgulho de mim. Porque eu faço coisas que eu não me sinto bem, às vezes, mas eu sei que ela vai se sentir bem.
-Eu sei, por isso eu queria ser igual a você.
-Karina, eu acho que eu me sacrifico muito. Você poderia se sacrificar também, se você quiser.
-Eu sei. Eu tento, mas quando eu começo a me sacrificar demais, trabalhar demais, ficar muito estressada, eu tenho um curto circuito e entro em depressão.
-Precisa tentar mudar isso em você.
-Ela se sacrifica tanto por nós duas e eu me sinto uma folgada. É basicamente o que ela deve pensar de mim e o que você deve pensar de mim também, porque é isso o que eu sou. Eu pulo fora do barco quando a coisa tá ficando preta.
-Eu só não entendo o porquê. Não pode! Acho que ajudaria se você se espelhasse em alguém mais forte. Às vezes, eu acho que estou onde ainda estou por causa de Marília.
-Eu sinto falta de amizades verdadeiras, que me incentivem, que me coloquem para cima. Eu tenho poucas amigas verdadeiras.
-Ih, relaxa. Essa coisa de amizade verdadeira, eu, às vezes, acho uma besteira.
-Por quê?
-Ah, sei lá, mas acho que você não deve se apegar tanto a essas pessoas. Às vezes, eu acho que minha amizade com Marília é assim, muito de interesses. Uma tem interesses na outra. Eu quero me formar, ela me ajuda a estudar e tal. Ela quer sair de Curitiba e ir para São Paulo depois que se formar, por isso ela anda comigo. Porque ela sabe que eu posso dar suporte para ela em relação a isso. Eu a adoro. Gosto muito mesmo, mas muitas vezes, eu vejo as coisas dessa maneira.
-Entendo. Eu concordo com você.
-Ah, olha que básico, a Marília acabou de me mandar uma mensagem no celular dizendo que o namorado australiano dela comprou uma passagem para ela ir à Austrália no meio do ano.

Karina deu risada.

-Que legal! Muitas pessoas não têm a sorte que ela tem.
-Pois é.
-Karina, tenho que desligar, tenho que estudar. Ainda não estudei nada hoje.
-Tudo bem , Kath. Bons estudos.
-Beijos
-Beijos.
-Tchau.

Karina desligou o telefone e foi para a varanda fumar outro cigarro. Ficou pensando em tudo o que havia conversado com Katherine ao telefone e ficou vendo a lua nascer no céu já escuro. 


Por Jéssica

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